PROJETO “O MEU DEUS” – 1° Episódio

SIMBOLOGIA, DEUS, CONEXÃO!

Quem somos e o que estamos fazendo aqui?

Amir El Haje sabe onde buscou essa resposta

ENTREVISTA: CARMEN MARANGONI

FOTOGRAFIA: JEAN GORAL

Branco. É essa cor que o menino das séries iniciais elegia para vestir no único dia da semana em que o uniforme da escola pública era dispensado. Tênis, calça, camiseta e cinto. Todos da mesma cor. Era porque ele já sabia qual profissão seguir. “Me lembro como se fosse hoje. Meu pai me colocou no colo. Eu tinha uns sete anos de idade. Meu pai nunca teve nenhum estudo. Talvez ele só tenha feito o primário, mas na ingenuidade dele, me colocou uma questão: Amir, o que você quer ser? Médico, engenheiro ou advogado? Eram as três profissões que para ele valiam a pena. Não pensei. Respondi que seria médico. Não sei se foi por indução dele, mas já sabia que queria ser cirurgião desde criança. Para mim, médico era aquele que operava. Eu ia de branco no dia em que não precisava ir de uniforme porque já tinha minha profissão definida”. Na minha frente agora, o homem que completa 50 anos no fim de abril – mas que brinca que irá viver até os 120 - ainda se parece àquele menino de origem humilde. Não pela aparência, mas pela determinação. Ele está posicionado à minha frente para falar de um tema muito específico. Não é para divulgar algum procedimento ou novidade na área em que atua. Mas para falar sobre um assunto que modifica a vida dele também com precisão cirúrgica: Deus. Mas nós não falamos apenas de Deus. Até por que é impossível falar de Deus sem falar da vida. Quem é o seu Deus, pergunto. A resposta ele sabe sem titubear, eu é que precisei acompanhá-lo para descobrir. É que ele foi mais de dez vezes até a Terra Santa – que para Amir ainda é um lugar sagrado por ser a terra natal dos pais - para ter a convicção de agora. A primeira ida, há cerca de dez anos, foi para procurar familiares. Lá, encontrou mais do que pessoas do mesmo sangue. Por conta dessa busca, proporcionada por essas viagens, estudou a origem das três principais religiões do mundo, principalmente as monoteístas, derivadas de Abraão: judaísmo, cristianismo e islamismo. E leu os livros sagrados de cada uma delas: tora, bíblia e alcorão. Depois, escreveu dois livros. Um sobre Jerusalém. Outro, sobre o Egito. Sempre a perspectiva dele sobre o lugar e o ensinamento. É o que ele faz questão de frisar, agora, num tom de voz leve e pausado. “O meu livro foi classificado como edição de ouro. Não me sentei atrás de uma escrivaninha e apenas escrevi. Foram muitas viagens para a Terra Santa. O livro do Egito foi entregue no ano passado nas mãos do maior egiptólogo do mundo, Zahi Hawass. Ele foi ministro da antiguidade de Hosni Mubarak. Sei que ele não entende português, por isso a comunicação foi toda feita em árabe, mas se alguém fizer a tradução, sei também que ele não encontrará falhas. Já o livro de Jerusalém foi entregue nas mãos do Papa Francisco.” É dessa mesma forma pausada com que Amir fala, que também estou ainda repousada na imagem do branco. Embora seja uma característica de sua escolha profissional, não é a cor que predomina hoje. Amir tem no dourado outra simbologia que pode muito bem definir as suas crenças. Na mão esquerda, sete exatas pulseiras de ouro 21 quilates. A referência ao ouro também está na imagem Hindu, do papel de parede da recepção da Atheenee - Personnalitè Day Spa onde improvisamos o nosso set de gravação. Aonde ele chegou pontualmente, no horário marcado, já maquiado, depois de fazer três cirurgias nesta tarde. Por isso, agora a minha frente vejo ainda o cirurgião plástico que pisou no Alto Vale há 20 anos para viver. De lá pra cá, muita coisa também mudou. Talvez, a menos perceptível a olho nu, seja a sua forma de ver o mundo. E essa sutileza, é claro, tem a ver com Deus. Qual, afinal, é o Deus de Amir El Haje? “Viajei para tentar descobrir o meu eu. Onde eu me encaixaria. Embora minha família seja de origem islâmica, não me encaixava neste conceito. De tanto estudar, hoje me classifico como deísta. O que significa dizer que não preciso de um intermediário, de uma sinagoga, de uma igreja, de uma mesquita, assim como também não preciso de um padre, sacerdote. Posso me conectar com Deus a qualquer momento e de qualquer lugar. Deus é uma energia. Uma conexão. Estar na Terra Santa foi um divisor de águas na minha vida. Agora posso dizer que sinto a presença de Deus.” Nós somos energia, ele me fala. “E essa energia não se perde quando vamos embora”. Essa conexão é sentida de múltiplas formas e utilizada por ele, até mesmo na rotina como cirurgião. “Numa ocasião, tive uma dificuldade enorme para fazer um desenho na mama para uma cirurgia. Sentia que faltava alguma coisa. Matematicamente não estava correto. Até o dia em que sonhei com o resultado. Todas as respostas que nós queremos para qualquer problema já estão no cosmos. Está aqui na nossa frente. Só falta a gente se conectar, abrir a mente e usufruir”. Enquanto Amir me fala, percebo a intensidade do que me conta. Ele disse que o desenho do sonho fechava exatamente com o que desejava sem estar em livro algum. “Nenhuma mama é igual a outra. Eu já testei em centenas de mamas diferentes e em todas elas o desenho se encaixou perfeitamente.” A precisão é uma de suas aliadas, mas a conduta assertiva antecede ao diploma. Amir me conta que nunca teve uma reprovação. Ele não sabe o que é perder. O que significa não passar. Até por conta disso, entrou muito cedo na profissão. Com 15 anos prestou o vestibular e com 16 já cursava a Faculdade de Medicina. Aos 21, já era um médico formado. Para chegar ao Alto Vale, foram ainda mais três anos de cirurgia geral. Dois anos de cirurgia cardíaca em Londres e três em cirurgia plástica. Os filhos estão trilhando o mesmo caminho, Adriel, de 20 anos, está no quarto ano de medicina e Mahayla (que significa dançarina), de 16, está fazendo cursinho porque também escolheu essa profissão. Seguimos com o nosso assunto principal. “Em cada cirurgia, entro com mais de uma técnica em minha cabeça, porque eventualidades podem acontecer, mas quando me conecto com Deus para exercer a minha profissão, peço para que esse Ser superior guie minhas mãos.” Pergunto se ele tem algum ritual. Beijar o anel, também de ouro, presente do pai, para pedir proteção ao grande arquiteto do universo, me responde. Peço para fazer o gesto. Quero que me mostre. Ele beija e seus olhos se voltam para o alto. Dá para perceber em sua feição que o tom é de gratidão. “Deus não está só para pedir, mas para agradecer. Embora quando peço, sou ouvido.” Pergunto o que o ouro representa em sua vida. “Os faraós, os antigos líderes de várias civilizações, carregavam muito ouro em seus corpos porque essa é a simbologia da conexão com o divino. Em contato com a pele, o ouro ainda ajuda a purificar o sangue. Descobri agora a pouco com um cientista amigo meu que o ouro é um dos metais estudados atualmente na Medicina, Física e Mecânica Quântica. Utilizo o ouro empiricamente, desde criança. Já fazia isso sem saber. Aliás, esta é uma herança de meu pai, que deu um anel de ouro para cada filho. É para olhar e lembrar de uma situação. Tem muito significado. Se amanhã me roubarem todas as pulseiras não fico triste pelo preço, mas pela simbologia de quem me deu e por quê me deu.” Amir me conta que todas as pulseiras foram trazidas da Terra Santa, presentes de familiares e que se sente um homem abençoado por ter formado a família que tem. “A pessoa que está ao teu lado é muito importante. É aquela que você escolheu para viver. A conexão que tenho com a Adriana é muito especial. Estamos juntos há 31 anos. Um completa o outro. Somos conectados espiritualmente.” Mas, me fala também, que se sente privilegiado por ter nascido como e onde nasceu. “Agradeço ser da primeira geração brasileira e de ter origem árabe que me abriu a mente desde criança para esse novo mundo. Não teria feito tantas descobertas se não fosse pelos meus pais. Devo tudo a eles.” Me conta que Yusef de 92 anos e Naimih de 84 anos, vieram de Jerusalém e se instalaram em Concórdia, onde tiveram os quatro filhos: Samira, Samir, Amir e Ossam. Foi do comércio que retiraram o sustento da família. “Meu pai me mostrou o exemplo da determinação. Ele veio de um país estranho. Com cultura diferente do Brasil, sem falar bom dia em português e sem dinheiro no bolso. Qualquer coisa que a gente pergunta, ele tem resposta. O aprendizado dele é da vida. 'Pobre do homem que não sonha. Pobre do homem que não ousa'. Cresci ouvindo meu pai repetir essa frase que se tornou o meu lema de vida e está no hall de entrada do meu consultório.” A fala suave potencializa o arsenal de conhecimento e acentua a generosidade de Amir. Estar na frente deste homem é compreender de fato que não vamos ficar no mesmo lugar. Somos conduzidos pelos lugares onde ela já pisou. Das viagens, muitos souvenires, também dourados, contrastam com os móveis pretos deste espaço da clínica em que estamos. A precisão de significados impressiona. Meus olhos avistam os objetos e na medida em que peço, Amir explica que a arca da aliança, o candelabro sagrado, são artefatos do antigo testamento. Ele me fala que o cálice sagrado de Jesus Cristo, o turbante que o árabe usa - e que podemos ver - remetem ao topo da pirâmide que é Deus. “Meu consultório é repleto de artefatos sagrados que me conectam ao divino”. Brinco que ele poderia abrir o consultório para visitação. Rimos alto. Mas, o espanto vem principalmente, por conta da visão abrangente da vida. “A felicidade é estar aberto ao espiritual. Porque a conexão é muito forte. Quem apenas vive ligado ao material está infeliz.” Com uma imagem imponente e olhar profundo, Amir me fala que status, sucesso e dinheiro não são importantes, apenas consequência. “A gente percebe isso na medida em que vai adquirindo a maturidade espiritual. Ainda não atingi a minha, talvez ainda esteja procurando as grandes questões da humanidade. A primeira vez que fui à Jerusalém foi isso que fui buscar: quem somos, de onde viemos e para onde vamos. Mas, principalmente o que estamos fazendo aqui.” E depois, pergunto? “A nossa vida é uma continuação. Aqui se faz, aqui se paga. Mas pode pagar numa próxima vida. Nós voltaremos sempre melhorados espiritualmente ao longo dos anos.” Fico uns instantes querendo acompanhar esse pensamento. E Amir se põe a falar sem que eu faça a próxima pergunta. “A vida é muito curta. Muito rápida. Eu penso que tem algo muito além disso. A vida é uma linda passagem onde esse roteiro já está decidido e decifrado por Deus. Ela é só de ida. Todos nós temos que aproveitar ao máximo.” Voltamos para o aqui e o agora e então eu sigo a entrevista. Por que Athenee? Ele me fala que é uma referência à Atenas, uma maneira de lembrar a Grécia antiga. “É por isso que temos colunas, tabuleiro de xadrez. Tudo isso tem a ver com a beleza, que é o nosso trabalho.” Aproveito para perguntar o que é o belo. “A beleza para mim não tem conceito, mas certamente está nos olhos de quem a vê. Ainda assim, nem sempre significa perfeição. Não é uma questão de simetria. A Lady Di, por exemplo, tinha o nariz grande e era uma princesa linda.” Já Almanara, que dá nome ao prédio em que estamos, é uma palavra árabe que significa minarete. “É a grande torre que fica em frente às mesquitas. Aonde o sarcedote mouro vai cinco vezes ao dia chamar os fiéis para a reza.” Quero saber se ele vai continuar escrevendo. E sem demora,  conta que já tem dois temas e toda a pesquisa feita para os próximos livros. “Quero falar sobre os essênios que são aquela tribo judaica, do antigo testamento, que vivia no Mar Morto, onde dizem que Jesus esteve por um período. É o povo que literalmente viveu o antigo testamento. Outro tema que me instiga são os templários. Eles têm duzentos anos de história desde 1099 até 1314. Viveram na Escócia e Inglaterra, onde também já fui para coletar material. Eles eram a parte armada da igreja que combatia os muçulmanos. Defendiam os peregrinos que saiam da Europa com destino à Jerusalém. Eram o braço armado do Papa. Denominados de santos guerreiros, são conhecidos ainda como cavaleiros templários porque moravam no morro do templo, onde ficava o templo de Salomão. Sinto paixão pela história, mas contada do meu jeito. Como vejo essas civilizações.” Não é à toa que Amir El Haje significa príncipe peregrino. 53 é o número de países em que ele já pisou e a região do Iraque, por ser um dos berços das civilizações, pode ser o próximo destino.  Quero saber se ele tem algum medo. “Tenho medo dos ignorantes em qualquer assunto”. Pergunto onde está o mundo melhor? E ele responde, também em tom de pergunta. “Está dentro de nós. Que homem é homem que não faz um mundo melhor?” E depois me diz que o segredo está na tolerância. “Se formos mais tolerantes, teremos um mundo melhor. Ser tolerante não é o mesmo que ser conivente. Eu respeito, mesmo sem concordar. Assim sou tolerante. Na sociedade, nos partidos políticos, na religião, na diferença social, em todas as situações.” Cheguei com a expectativa de aprender um pouco mais sobre a Terra Sagrada. E aprendi. Com detalhes dourados. Mas saí com um aprendizado maior do que a história da própria civilização. Pude ler um homem que carrega ouro no corpo não em sinal de ostentação, mas como símbolo de proteção, que me ensinou que a generosidade e o conhecimento podem ser uma fonte inesgotável e, ao mesmo tempo, expressados com simplicidade. E, que, na presença do Amir, ainda se traduzem pela fala pausada e pela atenção que ele dispensa a todos, sem distinção. Na saída de nossa entrevista, nos despedimos na garagem. O Amir vinha carregando conosco o material que utilizamos para a gravação. E ele fazia isso depois de também recomendar medicamentos para virose, numa espécie de consulta itinerante, a pedido de um membro da equipe que estava com a esposa enferma. Talvez, agora, depois dessa fala que durou horas, possa dizer ainda que Amir El Haje é um sonhador que sabe ousar.  Que é um homem presente no momento de agora. Concentrado no que está fazendo. Ele se doa ao que se propõe e por isso, também, obtém tanto êxito. Antes de me despedir, quero saber se ele já fez alguma intervenção plástica. Então Amir me conta que já operou o nariz. “Era maior. A cirurgia foi feita pelo meu professor de universidade na véspera de vir para a Capital do Alto Vale para viver”.  Qual a relação com o Alto Vale? “Tudo o que tenho, sou e construí, devo ao Alto Vale. É um lugar divino, não só pelo local, mas por tudo que recebi aqui. Tento retribuir com o trabalho e com meus livros que é a maneira de fazer essa doação, isso me faz um bem indescritível. Faz com que eu durma tranquilo. Faz sentir que vim fazer a diferença no local que me acolheu. O mínimo é poder retribuir um pouco do aprendizado.” Ainda na garagem, não custa fazer mais uma perguntinha. Qual a mensagem para quem está começando a vida? “Já dei muita palestra em colégios públicos e sempre falei que vim de onde eles vieram. Mas sou o que sou porque acreditei em mim. Não sou superior, mas inferior também não. A dica é trabalhar a autoconfiança.” Uma frase? Agora sim para encerrar? Ele sorri e com muita paciência me diz: “Quem não conhece o passado, não merece o futuro.”

 

FOTOGRAFIA: JEAN GORAL

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